Eletricidade sobe em 2014<br>para garantir rendas excessivas

Eugénio Rosa

Em 2014, se­gundo cál­culos feitos pela pró­pria En­ti­dade Re­gu­la­dora dos Ser­viços Ener­gé­ticos (ERSE), as fa­mí­lias por­tu­guesas que ad­quirem ele­tri­ci­dade no mer­cado re­gu­lado – às em­presas REN, EDP, EDA (Açores) e EEM (Ma­deira) – terão de pagar a mais 366,7 mi­lhões de euros.

Só nos pri­meiros nove meses de 2013, os lu­cros lí­quidos da EDP atin­giram 792,3 mi­lhões de euros

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Jo­seph Sti­glitz, prémio Nobel da eco­nomia, no seu livro «O Preço da de­si­gual­dade», es­creveu o se­guinte sobre as en­ti­dades re­gu­la­doras: «Hoje em dia, em muitas áreas, as agên­cias re­gu­la­doras são res­pon­sá­veis pela fis­ca­li­zação de um setor. O pro­blema é que os lí­deres (dos grupos eco­nó­micos) nestes se­tores usam a sua in­fluência po­lí­tica para no­mear para as agên­cias re­gu­la­doras per­so­na­li­dades com­pla­centes com os seus ob­je­tivos. Os eco­no­mistas re­ferem-se a isto como cap­tura do re­gu­lador. Por vezes a cap­tura é as­so­ciada a in­cen­tivos mo­ne­tá­rios: os que se en­con­tram na co­missão re­gu­la­dora são pro­ve­ni­entes do setor que é su­posto re­gu­larem e aí re­gressam mais tarde. Os seus in­cen­tivos e os da in­dús­tria estão bem ali­nhados, ainda que es­tejam de­sa­li­nhados com o resto da so­ci­e­dade. Se os da co­missão re­gu­la­dora servem bem o setor, são bem re­com­pen­sados na sua car­reira pós-go­ver­na­mental. Con­tudo, por vezes a cap­tura não é mo­ti­vada pelo di­nheiro. Em vez disso, a men­ta­li­dade dos re­gu­la­dores é cap­tu­rado pelos re­gu­lados. Trata-se da cap­tura cog­ni­tiva que é mais um fe­nó­meno so­ci­o­ló­gico» (pág. 111). E re­fere mesmo como ex. o ex-pre­si­dente da Re­serva Fe­deral ame­ri­cana Alan Gre­enspan.

Em­bora a ci­tação seja longa ela tem a vir­tude de chamar a atenção de todos os por­tu­gueses para um fe­nó­meno pre­o­cu­pante que se ve­ri­fica também no nosso País, pois ele re­força o poder dos grupos eco­nó­micos e, con­se­quen­te­mente, o seu do­mínio sobre a so­ci­e­dade e a eco­nomia por­tu­guesa e sobre o poder po­lí­tico em Por­tugal. No nosso livro «Grupos eco­nó­micos e de­sen­vol­vi­mento em Por­tugal no con­texto da glo­ba­li­zação» mos­tramos, com base numa longa lista de mais de 100 nomes, de que forma o fe­nó­meno co­nhe­cido por «porta gi­ra­tória» se ma­ni­festa em Por­tugal (mem­bros de grupos eco­nó­micos que vão para o go­verno, e ex-mem­bros do go­verno e de en­ti­dades re­gu­la­doras que de­pois vão para con­se­lhos de ad­mi­nis­tração de grupos eco­nó­micos), o que con­tribui para a cap­tura do pró­prio go­verno.

No início de No­vembro de 2013, face à cap­tura da Au­to­ri­dade da Con­cor­rência (AdC) pelas pe­tro­lí­feras, pois os preços dos com­bus­tí­veis no nosso País sem in­cluir im­postos con­ti­nuam a ser su­pe­ri­ores aos preços mé­dios da UE sem im­postos, o Go­verno anun­ciou a cri­ação de mais uma en­ti­dade de su­per­visão para o mer­cado de com­bus­tí­veis: a EGREP, a em­presa pú­blica res­pon­sável pela gestão das re­servas es­tra­té­gicas pe­tro­lí­feras, com fun­ções alar­gadas. Mas os casos de cap­tura das en­ti­dades re­gu­la­doras pelos grupos eco­nó­micos que de­viam su­pos­ta­mente con­trolar não se re­sume a este. A prová-lo está a pro­posta re­cente da En­ti­dade Re­gu­la­dora dos Ser­viços Ener­gé­ticos (ERSE) de au­mentar o preço da ele­tri­ci­dade em 2014, de­pois apro­vada pelo Go­verno PSD/​CDS. Se­gundo o co­mu­ni­cado da ERSE de 15-10-2013, o preço da ele­tri­ci­dade a cli­entes fi­nais (fa­mí­lias) au­men­tará, entre 2013 e 2014, em 2,8%.

In­te­ressa chamar a atenção para que, entre 2007-2012, se­gundo a Di­reção Geral de Energia, o preço da ele­tri­ci­dade para as fa­mí­lias au­mentou 19,7% en­quanto os preços no con­su­midor su­biram 9,9%, e que a su­bida do preço de ele­tri­ci­dade apro­vada pela ERSE para 2014 é 2,8 vezes su­pe­rior à su­bida de preços pre­vista pelo Go­verno no OE2014 para o pró­ximo ano – apenas 1% – e cer­ta­mente muito su­pe­rior à su­bida dos ren­di­mentos da es­ma­ga­dora mai­oria dos por­tu­gueses no pró­ximo ano. E isto apesar dos lu­cros lí­quidos da EDP, o grupo eco­nó­mico do­mi­nante no setor, terem sido de 1124,7 mi­lhões de euros em 2011, de 1012,5 mi­lhões de euros em 2012, e, só nos pri­meiros nove meses de 2013, atin­giram 792,3 mi­lhões de euros, se­gundo dados di­vul­gados no «site» da EDP. Pode-se dizer com pro­pri­e­dade que a crise não atingiu a EDP nem os seus aci­o­nistas que são na sua mai­oria grupos eco­nó­micos es­tran­geiros (84,7% das par­ti­ci­pa­ções qua­li­fi­cadas da EDP são já con­tro­ladas por grupos es­tran­geiros, sendo 34,7% destas pelo aci­o­nista chinês; de por­tu­guês a EDP tem o nome).

Mas o mais cho­cante, pois re­vela a cap­tura clara da en­ti­dade re­gu­la­dora do setor (ERSE) pelos grupos eco­nó­micos da ele­tri­ci­dade do­mi­nantes, são as ra­zões que aquela en­ti­dade in­voca para jus­ti­ficar o au­mento do preço da ele­tri­ci­dade para as fa­mí­lias. E as ra­zões que constam do seu co­mu­ni­cado de 15-10-2013 são três, que se­gui­da­mente se apre­sentam.

A pri­meira, que se trans­creve, é a se­guinte (pág.3): «sendo as cen­trais de ciclo com­bi­nado a tec­no­logia ten­den­ci­al­mente mar­ginal no mer­cado ibé­rico da ele­tri­ci­dade (MIBEL, o custo va­riável de pro­dução de ele­tri­ci­dade destas cen­trais a partir de gás na­tural cons­titui o custo de opor­tu­ni­dade da com­po­nente de energia e con­se­quen­te­mente pres­siona os preços de energia do MIBEL». A ele­tri­ci­dade pode ser pro­du­zida de vá­rias ma­neiras, uti­li­zando vá­rias tec­no­lo­gias (fontes pro­du­toras). A ERSE, no lugar de ter em conta o custo médio de toda a pro­dução de ele­tri­ci­dade na fi­xação do preço, uti­liza, como con­fessa, apenas o custo das cen­trais de ciclo com­bi­nado, que não é a tec­no­logia que produz ele­tri­ci­dade mais ba­rata, com o ar­gu­mento de que se o não fizer os grupos eco­nó­micos dei­xarão de uti­lizar esta tec­no­logia.

Tal me­to­do­logia de­ter­mina que o preço que aprova seja con­di­ci­o­nado por esse custo, o que ga­rante um preço que cobre não só o custo da ele­tri­ci­dade pro­du­zida nas cen­trais de ciclo com­bi­nado a gás (mais cara) e na­tu­ral­mente uma margem de lucro, mas também per­mite aos grupos eco­nó­micos obter um so­bre­lucro (renda ex­ces­siva) com a pro­dução de ele­tri­ci­dade através de ou­tras fontes que é a mai­oria (as que uti­lizam gás re­pre­sentam cerca de 23% da pro­dução e está a cair com a re­dução do con­sumo de ele­tri­ci­dade), cujos custos são mais baixos.

A se­gunda razão uti­li­zada pela ERSE para jus­ti­ficar a su­bida no preço de ele­tri­ci­dade em 2014 é a quebra na pro­cura. Mas in­te­ressa trans­crever as pró­prias pa­la­vras da ERSE que constam da pág. 4 do re­fe­rido co­mu­ni­cado: «O nível mais re­du­zido da pro­cura pre­vista para 2014 em linha com os va­lores re­gis­tados em 2005 im­pedem uma maior di­luição dos custos de na­tu­reza fixa e con­se­quen­te­mente pres­si­onam o nível ta­ri­fário em alta com re­flexos na va­ri­ação ta­ri­fária». Por­tanto, são os con­su­mi­dores que têm de su­portar os custos da quebra da pro­cura; assim, para manter os ele­vados lu­cros (rendas ex­ces­sivas) dos grupos eco­nó­micos que do­minam o setor, a ERSE propõe um au­mento do preço da ele­tri­ci­dade 2,8 vezes su­pe­rior à su­bida de preços pre­vista pelo Go­verno para 2014.

A ter­ceira e úl­tima razão, também cons­tante da mesma pá­gina do co­mu­ni­cado da ERSE, é aquilo que esta en­ti­dade de­signa por «re­cu­pe­ração nas ta­rifas de custos adi­ados no pas­sado». E isto porque, se­gundo a ERSE, «o ser­viço da dí­vida re­sul­tante dos custos adi­ados no pas­sado tem vindo a au­mentar pro­gres­si­va­mente com re­flexos cada vez mais ex­pres­sivos nas va­ri­a­ções ta­ri­fá­rias». É evi­dente que uma parte destes custos adi­ados re­sultam das rendas ex­ces­sivas ge­radas por preços ex­ces­sivos pagos aos pro­du­tores de energia em re­gime es­pe­cial (PRE). Se­gundo dados cons­tantes do co­mu­ni­cado da ERSE serão pagos pelos con­su­mi­dores, em 2014, 282,9 mi­lhões de euros de so­bre­custos da pro­dução em re­gime es­pe­cial (PRE), tran­si­tando para 2014 um saldo de dí­vida de ainda 516,4 mi­lhões de euros.

Se­gundo cál­culos feitos pela pró­pria ERSE cons­tantes também do seu co­mu­ni­cado, este ajus­ta­mento de ta­rifas per­mi­tirá às em­presas re­gu­ladas – REN, EDP, EDA (Açores) e EEM (Ma­deira) – au­mentar as suas re­ceitas, em 2014, em mais 366,7 mi­lhões de euros. Tal é a im­por­tância que as fa­mí­lias por­tu­guesas que ad­quirem ele­tri­ci­dade no mer­cado re­gu­lado terão de pagar a mais. É evi­dente que o au­mento apro­vado pela ERSE e pelo Go­verno será de­pois apro­vei­tado pelos mesmos grupos eco­nó­micos para su­birem os preços, num valor talvez su­pe­rior, no mer­cado li­be­ra­li­zado da ele­tri­ci­dade im­posto pelo Go­verno PSD/​CDS e pela «troika» onde já não existe quais­quer li­mites aos au­mentos.

A ne­ces­si­dade de um de­bate na­ci­onal sobre o do­mínio dos grandes grupos, e de como eles con­di­ci­onam o poder po­lí­tico, o cres­ci­mento eco­nó­mico e o de­sen­vol­vi­mento em Por­tugal é evi­dente. O livro «Grupos eco­nó­micos e o de­sen­vol­vi­mento em Por­tugal no con­texto da glo­ba­li­zação» é um con­tri­buto.




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